Não sei se
vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que
se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se
desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato.
No entanto,
talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que
deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa
democracia, o ato votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.
Pelo voto não
se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência
a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira
definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de
tempo.
Escolhem-se
pelo voto aqueles que vai modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão
profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e
nos pode tirar tudo, até o ar que se
respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira
moradia
Escolhemos
igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles
que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses
“cobradores”. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a
última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso
E, por falar
em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e
gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão “fabricar” o dinheiro.
Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.
Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas,
é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam
a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel
sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero
Não preciso
explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter
moedeiros falsos no poder
Escolhem-se
nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e
presidir a existência de todo o organismo burocrático E, circunstância mais
grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem
o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha,
a aviação, as polícias
E assim, amigos, quando vocês forem
levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para
o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para
Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois
solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de
que não vão proporcionar a esses
sujeitos um simples emprego bem remunerado
Vão lhes entregar
um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem
- e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens
dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes
procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.
Entregamos a esses
homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da
nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode
se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra
o seu amo e criador
Votem, irmãos,
votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal,
e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência
e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.
Porque,
afinal, a mulher quando é ruim, briga-se com ela, devolve-se ao pai, pede-se
desquite. E o governo, quando ele ruim, ele é quem briga conosco, ele é quem
nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz
apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de
revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo
E agora um
conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto.
Meu amigo eleitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer
pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se
preocupe Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à
sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto
Se o obrigam
a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas
de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção
eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE – INDEVASSÁVEL
- VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a
palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva,
mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”
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