sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Entrevistas - Padre Ricardo Whyte

PADRE RICARDO WHYTE 
 ENTREVISTADO DA EDIÇÃO DE JUNHO DE 2012 DO JORNAL A RAZA


Padre Ricardo Whyte quebra o silêncio de quase 20 anos sem falar a um jornal local.  O pároco de Búzios há mais de duas decadas – algo incomum atualmente na Igreja Católica -  nos recebeu em sua sala e respondeu perguntas que muitos gostariam de ter feito a ele.

Jornal A Raza: Quando e como o senhor chegou a Búzios?

Pe. Ricardo Whyte: Eu cheguei a Búzios em Janeiro de 1990. Vim passar férias aqui e fui procurar uma Igreja para celebrar no domingo, porque mesmo estando de férias eu precisava celebrar a missa. A capela estava toda fechada, não tinha padre, não tinha nada, eu achei estranho um lugar desse não ter padre. Eu perguntei quem era responsável pela comunidade Católica de Búzios, então me falaram Cabo Frio, e que o pároco era o Frei Ivo. Eu liguei para ele, disse quem era, que estava de férias e que precisava celebrar uma missa no domingo, se ele me autorizaria. A resposta dele foi ‘o senhor celebre quantas missas quiser’. Quando eu me dei conta, eu estava celebrando três missas no domingo, em plenas férias. Eu percebi a necessidade, e as coisas foram acontecendo. As minhas férias terminaram e eu voltei. Eu pegava na rodoviária o ônibus que vinha para Búzios, as 05:45h , celebrava em Santo Antônio às 10:00h,  na Raza, às 11:00h o Manoelzinho – Sr. Manoelzinho Gonçalves-  me levava em São José, às 18:00h em Sant’Anna, às 20:00h em Santa Rita, quando acabava eu ia embora. Eu fiquei meses assim. Até que eu pedi uma autorização ao meu superior, para fazer um trabalho missionário, de acordo com a necessidade que eu vi aqui, e tinham bastantes padres no convento. Ele perguntou por quanto tempo, eu disse que não sabia e estou aqui até hoje.

Jornal A Raza: A que o senhor atribui o fato de estar aqui até hoje?

Pe. Ricardo Whyte: Por vontade de Deus. Hoje eu olho para trás e vejo que foi vontade de Deus, lá atrás não, parecia uma loucura. Eu vim para cá e fiquei em uma casinha atrás da Igreja, não tinha nem talheres, nem pratos, eu trazia tudo da casa da minha mãe. Não tinha tradição religiosa nenhuma. Eu ficava sozinho aqui, quase abandonado. Uma coisa árdua, muito difícil. Aos poucos a comunidade foi dando suporte, porque sozinho eu não ia conseguir fazer nada. A vida era muito difícil, não existia celular, não tinha telefone, eu não tinha comunicação com ninguém fora de Búzios.

Jornal A Raza: Hoje o anjo localizado em Sant’Anna aparece em várias fotos de propaganda sobre Búzios. Foi o senhor que trouxe esse anjo para a cidade?

Pe. Ricardo Whyte:  A cidade estava fervendo com o processo de emancipação, eu não podia me posicionar publicamente, embora eu fosse à favor. Eu queria colocar símbolos religiosos  que aqui  não tinha, eu coloquei uma cruz na praça em frete a igreja de Santa Rita, que depois tiraram para fazer aquela rotatória, então eu fui comprar o anjo, quando eu fui comprar esse anjo, eu me deparei com essa urna, imediatamente eu me lembrai da história da emancipação. Então eu mandei gravar a palavra sim na urna, pedindo aos céus a emancipação, mas eu não falei nada para ninguém. Quando aconteceu a emancipação, na primeira Missa de Ação de Graças, eu falei sobre essa história e todo mundo foi lá ver o sim que estava escrito, que até então ninguém sabia.

Jornal A Raza: O senhor é um dos principais lideres religiosos da cidade, como pensa a questão política?

Pe. Ricardo Whyte: Eu sempre fui neutro, sempre fui a favor do bem,das coisas que funcionem para a cidade, mas eu nunca quis ter uma participação de me posicionar na  política. A Igreja não tem partido, a palavra partido é separação, ela tem que estar junto a todos, desde que esteja do lado do bem. Quem estiver do lado do bem, a favor da vida, a favor da honestidade. Claro que existe dentro da Igreja uma Pastoral Política que indica o perfil dos candidato.  Candidatos que estejam de acordo com as verdades que a Igreja defende,  a moral, a vida, a política social da igreja, coisas que não são só de interesse católico, mas para todos os homens e mulheres de boa vontade.

Jornal A Raza: Nesse tempo todo que o senhor está aqui -quase o mesmo tempo que o senhor é sacerdote - o senhor já é parte da história da cidade.  Como o senhor vê o crescimento da cidade, tanto ta parte religiosa, quanto da cidade em si mesma?

Pe. Ricardo Whyte: Essa questão da emancipação foi uma característica própria do lugar, embora seja muito próxima uma da outra, é muito diferente de Cabo Frio. Cabo Frio é totalmente diferente. Tudo que precisava aqui tínhamos de ir  para Cabo Frio, não tinha nada, nem médico, nem mercado. Todo mundo ia para Cabo Frio como se fosse ali na esquina, mas aqui tinha uma peculiaridade diferente. Em uma península com 23 praias, um fluxo muito grande de estrangeiros, nós percebíamos claramente que tinha algo diferente aqui em relação a isso, uma identidade própria. Depois, da emancipação para cá, muita coisa mudou, a cidade mudou, porém inchou, eu acho que hoje Búzios não tem estrutura para o fluxo de condomínios abrindo em cada esquina, muita gente de fora vindo para cá. Não tem como transitar, não tem estrutura para aguentar o peso de uma cidade grande como Cabo Frio, que é mais amplo, e geograficamente falando é maior. A questão religiosa, eu não tenho a menor duvida, foi um crescimento muito grande. As capelinhas que tinham aqui, pouquíssimas pessoas iam.  Estou todo esse tempo sozinho, há um desgaste muito grande, é como um carro você chega com um carro 0, você coloca ele na montanha, no buraco, já o carro mais velho, mesmo que você troque as peças, ele continua desgastado.

Jornal A Raza: Há uma brincadeira na Arquidiocese, que os outros padres quando estão há muito tempo em uma paróquia dizem assim ‘Só saio daqui se Padre Ricardo sair de Búzios’, pela quantidade impressionante de tempo que o senhor está na cidade, a que  o senhor atribui isso?

Pe. Ricardo Whyte: Eu não sei. Eu criei raízes aqui de uma forma que eu não sei explicar. Eu não tenho um apego, eu estou aqui servindo, até quando Deus quiser. Eu sinto dentro de mim que a minha missão aqui ainda não terminou, mas se precisar ir para outro lugar não tem problema algum, estou à disposição de Deus e da Igreja.

Jornal A Raza : A capela de Nsa Desatadora dos Nós é um dos grandes atrativos turísticos da cidade hoje. Como essa devoção chegou a Búzios e quais são os planos futuros em relação ao santuário? 

Pe. Ricardo Whyte: A devoção começou há dez anos. A Isis Penido me deu uma novena da Desatadora dos Nós, eu nunca tinha ouvido falar, achei até diferente, peculiar ‘Desatadora dos nós’, eu fiz a novena e consegui a graça, não era nada extraordinário. Então a Isis me perguntou por que eu não colocava um quadro na Igreja, mas a Igreja era a metade do que é hoje, não tinha espaço para colocar.  Lá naquele cantinho  já estava na minha cabeça de colocar uma gruta de Nossa Senhora de Lourdes, como Nossa Senhora é a mesma, não tinha problema nenhum, eu achei que seria uma coisa pequena.  De repente quando eu vi era aquela coisa grande, e realmente foi  um divisor de águas na paróquia. Uma transformação, a paróquia virou de cabeça para baixo, quase que da noite para o dia, começou a vir caravanas, ônibus, vans, não tinha estrutura nenhuma, não tinha banheiro, não tinha terço, não tinha novena. Então foi aquele corre-corre para resolver o problema e graças a Deus conseguimos e até hoje você consegue ver as graças ai, são tantas histórias lindas, eu gostaria de pegar essas histórias para escrever um livro. São histórias fantásticas, mas que as pessoas vêm aqui e falam e vão embora. Existe um projeto, mas para ter um santuário precisa de um lugar. Houve um percalço nessa caminhada e nós estamos aguardando o próximo passo. A partir do momento em que tiver o espaço físico então se torna mais fácil. Nós estamos aguardando o tempo de Deus, porque aqui não cabe mais, é muita gente.

Jornal A Raza :O senhor além de padre é fundador de uma comunidade, como começou e quais são os trabalhos que desenvolvem hoje?

Pe. Ricardo Whyte: Eu entendo como uma missão da parte de Deus, com muita dificuldade. Ser pároco e ser fundador de uma comunidade não é fácil, acaba-se falhando na questão de tempo. Enquanto eu for pároco, a prioridade terá que ser a paróquia, é uma responsabilidade muito grande, agora graças a Deus com o padre Zito aqui, está me aliviando um pouco, eu tenho tido mais tempo para a comunidade. Na comunidade nós temos percebido de uns tempos para cá, muito forte, a devoção à Nossa Senhora. Tivemos agora uma missão na Bocaina, que foi uma coisa impressionante, foram 1.150 pessoas. A Bocaina é um lugar de muito difícil acesso, mas mesmo assim você ver chegando aquela quantidade de pessoas do nada. Eu estou pensando em fazer uma varanda maior, para fazer uma missa ao ar livre, porque na Igreja não cabe mais. Nos Estados Unidos a devoção a Nossa Senhora Desatadora dos Nós tem crescido muito também, é uma braço das missões da Comunidade Lumen de Cristo neste pais.

Jornal A Raza : Gostaríamos  de tocar em questões delicadas pelas quais a Igreja tem de passar nesse terceiro milênio da era cristã: O problema da pedofilia na Igreja arranhou fortemente a imagem da igreja e ainda causa uma má visão de seculares em relação aos padres, o que o senhor teria a dizer?

Pe. Ricardo Whyte: Para começar pedofilia é crime e como crime precisa ser punido. Se for um leigo é crime, é pecado, se for um padre é crime, é pecado e tem um peso maior. Isso existe em qualquer lugar, nós sabemos disso, não deveria existir, mas a miséria humana ela existe em todos os lugares. Isso muitas vezes quando acontece na Igreja, como a Igreja é uma instituição fundada por Cristo e tem um peso muito grande da verdade, então isso ai para os meios de comunicação social é um prato cheio. Realmente, se você machuca o dedo, o corpo todo sente, por exemplo padres que não cometem – e são a maioria- , acabam pagando o preço pelo pecado desses. Na minha opinião o leigo praticante da fé católica,  que conhece a Igreja, que ama a Igreja, ele sabe discernir, embora seja desagradável e constrangedor. Como falou o papa Bento XVI tolerância zero, na minha opinião não adianta transferir o padre, o problema continua, em primeiro lugar precisa tirar da Igreja, em segundo lugar deixar a parte leiga assumir. Cabe a justiça isso, é crime.

Jornal A Raza :Quando os escândalos vieram a tona houve muitos questionamentos em relação ao Celibato do padres. Qual a importância do celibato para a Igreja?

Pe. Ricardo Whyte: Sacerdócio é uma entrega de vida. A gente respira Igreja, fala Igreja, pensa Igreja. Se dedica em horário integral a Igreja. O celibato é um conselho evangélico, que o próprio Jesus colocou ali, quem puder  entender, entenda. Quando eu entrei na vida religiosa eu já sabia das regras, ninguém me obrigou, eu já sabia que era assim, eu aceitei. Nós não podemos reclamar que o celibato é o causador da pedofilia, não é, tem tanto homem casado pedófilo. A questão do celibato é uma dádiva, é um dom, é uma graça de Deus. Não são todos que conseguem. Você tem que cultivar ela também, se eu quero ser casto eu vou ficar acessando site pornográfico, vou ficar de bebedeira com os amigos na esquina, fazendo piada imoral?  Claro que não. Então você tem que cultivar isso também. Temos os exemplos de muitos santos da Igreja, como Santo Agostinho, foi um homem que em sua  vida pregressa foi um homem devasso sexualmente, mas a partir do momento em que ele recebeu a graça, depois que ele entendeu as palavras ditas pelo Apostolo Paulo de que  ‘onde abundou o pecado, superabundou a graça’, sua vida mudou totalmente. O Celibato é um dom que não é para todos.

Jornal A Raza : Em relação as festas tradicionais da cidade como as festas de Santa Rita e Sant’Anna, quando querem atacar de alguma forma  o senhor elas dizem que o senhor acabou com as festas populares e viraram festas pequenas e sem expressão.

Pe. Ricardo Whyte: É a época, antigamente, há 20 anos atrás, não tinha outra opção de festa, as festas católicas eram  as únicas, então tudo se concentrava ali. Não tinha as opções que tem hoje. O tempo muda, as situações mudam.  Hoje são várias festas, tem a de Santa Rita, São José, Santo Antônio, então as pessoas se dividem, não precisa se concentrar na multidão. Alem de haver eventos e festas seculares também.  

Jornal A Raza :O senhor acha que a proibição das bebidas alcoólicas ajudou a diminuir?

Pe. Ricardo Whyte: Peneirou, com a proibição coisa do álcool, a festa de Santa Rita, por exemplo,  virou uma festa de família. Foi melhor para a Igreja, com o álcool vem  também as drogas. Não é que beber seja um ato pecaminoso, a Igreja Católica não pensa assim,  mas  o erro está na forma como você bebe. E a Igreja apoia as iniciativas contra o alcoolismo, é tão conhecida a parceria entre a Igreja e o A.A por exemplo, era incoerente o álcool nas festas da Igreja.

Jornal A Raza :Nos últimos tempos o crescimento das igrejas evangélicas foi muito grande em Búzios, como também no mundo, em especial nos países de 3º mundo e algumas pesquisas tendenciosas ou não mostram a diminuição do número de católicos. O senhor acredita nessas pesquisas? Esses resultados são vistos pelo senhor de forma positiva ou negativa?

Pe. Ricardo Whyte: Eu acho positiva, o verdadeiro católico ele não muda em sua fé, o verdadeiro católico, para você amar você precisa conhecer, ninguém ama ninguém sem conhecer a pessoa. É preciso que você conheça, que você conheça a miséria, os problemas da pessoa, então é preciso que você encontre o verdadeiro valor naquilo ali. As pessoas que saem da Igreja, é por que não a conheceu profundamente. Agora é melhor você ter menos pessoas, mas que sejam realmente assumidas na sua fé, na sua crença, no seu amor pela Igreja do que você ter uma multidão de preceito. Isso na verdade na Igreja é um gráfico, isso já aconteceu antes, é um sobe e desce, faz parte, nós não podemos temer, o próprio Jesus afirmou que  nem as portas do inferno podem se prevalecer contra ela, a Igreja.

Jornal A Raza :Como o senhor encara as criticas que o senhor sofre – por parte de pessoas que geralmente não se identificam- e que algumas vezes até foram publicadas em jornais?

Pe. Ricardo Whyte: São fackes, eu vejo assim, são invenções, a pouco saiu uma mentira em um jornal. Como uma funcionária daqui vai dizer ‘não vai não que o padre está mal-humorado’? É um absurdo, eu não acredito nisso. Mesmo porque não aconteceu isso, então eu fico abismado, um jornal você tem que dizer a verdade, para você ter credibilidade, você precisa ter a verdade. Aquilo não aconteceu, como uma pessoa pode inventar uma história, é um intuito maléfico. Eu vejo a força do mal, eu não tenho medo. Eu não me incomodo de maneira alguma.

Jornal A Raza :Recentemente o presidente americano Barack Obama defendeu o direito ao casamento homo afetivo, no Brasil foi reconhecida a união civil homo afetiva, como a Igreja Católica se posiciona sobre essa questão?

Pe. Ricardo Whyte: Eu acho a natureza perfeita, ela foi criada por Deus, criou homem e mulher, para formar uma família e procriar, ou seja dar continuidade a raça humana fora disso fica uma interrogação no ar. Quanto ao Barack Obama eu acho que ele fez  isso ai por votos, porque seu adversário  esta quase caminhando próximo a ele, e sabe que a comunidade GLS é grande nos Estados Unidos.

Jornal A Raza :O que o senhor pensa sobre o Mangue de Pedra e as recentes manifestações pro e contra?

Pe. Ricardo Whyte: Me parece que esse mangue de pedra só tem três no mundo. Eu acho que a natureza tem que ser preservada, eu não estou por dentro dos meios legais, sei que envolve uma construção próxima. Eu não tenho conhecimento para expressar uma opinião a não se a da Igreja de que se houver realmente algo que vá prejudicar um ecossistema tão frágil se deve optar pela preservação do ecossistema.

Jornal A Raza :O senhor acha importante um legislador católico na câmara?

Pe. Ricardo Whyte: Sim. Acho importantíssimo, como também acho que outras igrejas e instituições devam ter seus representantes também.

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